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CASO ESCHER E OUTROS vs. BRASIL

No dia 30 de novembro de 2020, durante a última aula da disciplina de “Direito Internacional dos Direitos Humanos” do Curso de Mestrado em Direitos Humanos do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ), ministrada pelos Professores Dr. Gilmar Antonio Bedin e Dr. Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth, os alunos – mestrandos do PPGD-UNIJUÍ, mestrandos do Minter UNIJUÍ-UNESC (Cacoal/RO) e doutorandos do PPGD-UNIJUÍ – apresentaram, em formato de seminário, estudos de casos de condenações do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. Em virtude da importância desses casos para os Direitos Humanos, o Grupo de Pesquisa Mundus está publicando em seu site (www.gpmundus.com.br) as sínteses elaboradas pelos discentes do PPGD da UNIJUÍ com o intuito de promover uma ampla divulgação para a comunidade acadêmica e para público em geral.


Caso Escher vs. Brasil

Partes Envolvidas:

Escher (membros das organizações Cooperativa Agrícola de Conciliação Avante Ltda. - COANA e Associação Comunitária de Trabalhadores Rurais - ADECON) em desfavor da República Federativa do Brasil.



Como o caso chegou à Corte:

Mediante o esgotamento dos recursos internos no Estado Brasileiro, as organizações: Rede Nacional de Advogados Populares, Justiça Global, Terra de Direitos, Comissão Pastoral da Terra (CPT) e Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) apresentaram, em 26 de dezembro de 2000, petição perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

Em 02 de março de 2006, a Comissão declarou admissível o caso, conforme o artigo 50 da Convenção e aprovou o Relatório de Mérito No. 14/07, que continha recomendações para o Estado Brasileiro, que foi notificado em 10 de abril de 2007, tendo um prazo de dois meses para comunicar as ações empreendidas com o propósito de implementar as recomendações da Comissão.

Entretanto, depois de três prorrogações concedidas ao Estado Brasileiro, após considerar as informações prestadas pelas partes com relação à implementação das recomendações do relatório, e a falta de progresso substantivo do Estado Brasileiro em cumprir as recomendações, a Comissão decidiu submeter o caso à jurisdição da Corte, em 20 de dezembro de 2007, em conformidade com o disposto nos artigos 51 e 61 da Convenção Americana.


Entenda o caso de forma sucinta:

Em maio de 1999, o major Waldir Copetti Neves, oficial da Polícia Militar do Paraná, solicitou à juíza Elisabeth Khater, da comarca de Loanda, autorização para interceptação e monitoramento de linhas telefônicas pertencentes a cooperativas de trabalhadores (COANA e, posteriormente, ADECON). A juíza autorizou o pedido de interceptação através de uma simples anotação na margem da petição, não notificando o Ministério Público da decisão adotada.

Em 07/06/1999, à noite, fragmentos dos diálogos gravados foram reproduzidos nos telejornais. Apenas em 30/05/2000, a juíza Khater enviou pela primeira vez os autos do Pedido de Censura para análise do Ministério Público. Em 8/09/2000, a promotora de justiça atuante na comarca requereu que fosse declarada a nulidade das interceptações, com a inutilização das fitas, argumentando, entre outros, que um policial militar não teria legitimidade para solicitar a interceptação telefônica, que o pedido fora elaborado sem fundamento em uma ação penal ou investigação policial e as decisões que autorizaram os pedidos não foram fundamentadas e o Ministério Público não havia sido notificado. A juíza Khater rejeitou o parecer ministerial, argumentando que não resultara provada a ilegalidade das interceptações.

O MST e a Comissão Pastoral da Terra (CPT), visando a reparação das ilegalidades, apresentaram uma representação criminal ao Ministério Público contra os envolvidos, inclusive a juíza Khater, solicitando investigação de suas condutas pelo possível cometimento dos crimes de usurpação da função pública, interceptação telefônica ilegal, divulgação de segredo de justiça e abuso de autoridade.

Em 6/10/2000, o Tribunal de Justiça ordenou o arquivamento da investigação no que tange à interceptação telefônica e o envio dos autos ao juízo de primeira instância para análise da conduta do ex-secretário de segurança, em relação à divulgação dos diálogos interceptados. Quanto à juíza, o Tribunal de Justiça entendeu que os equívocos cometidos configuravam faltas meramente funcionais.

Diante do desenrolar, a COANA e a ADECON impetraram, perante o TJPR, mandado de segurança contra a ordem da juíza, sendo que o Tribunal, por fim, ordenou a extinção da ação sem julgamento do mérito. Dessa decisão os impetrantes opuseram embargos de declaração, para o Tribunal se manifestar sobre o pedido de destruição das fitas, entretanto o recurso foi rejeitado. Após isso, foi oferecida denúncia administrativa contra a juíza, que acabou sendo arquivada. Posteriormente, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República enviou o caso para a revisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em atendimento à recomendação do Relatório da Comissão Interamericana, que recusou o pedido alegando que a ação penal abordou a matéria sem deixar qualquer resíduo para a atuação do órgão corregedor em sede administrativa. Diante de tudo, o caso foi admitido pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

A Comissão submeteu o caso a julgamento pela Corte Interamericana de Direitos Humanos que assim analisou e decidiu: Questão jurídica objeto da demanda (fl. 27): Analisar as alegadas violações ao artigo 11 da Convenção Americana em relação a legalidade da interceptação e gravação das conversas telefônicas privadas e divulgação do material gravado, tendo como base, além do artigo 11 da Convenção, o artigo 5º, XII da CF do Brasil, e a lei brasileira n. 9.296/96.


DA VIOLAÇÃO AO ARTIGO 11 (PROTEÇÃO DA HONRA E DA DIGNIDADE) EM RELAÇÃO COM O ARTIGO 1.1 (OBRIGAÇÃO DE RESPEITAR OS DIREITOS) DA CONVENÇÃO AMERICANA. O Tribunal analisou a ingerência à luz dos seguintes requisitos: a) estar prevista em lei, b) perseguir um fim legítimo e c) ser idônea, necessária e proporcional. Aludiu que a falta de algum desses requisitos implica que a ingerência seja contrária à Convenção. Passa-se a fundamentação e decisão de cada requisito. Propósito da solicitação de interceptação telefônica e trâmite dos autos – Artigos 1º e 8º da Lei No. 9.296/96O Tribunal entendeu que o Pedido de Censura foi uma diligência isolada e não tramitou em autos anexos a um procedimento de investigação ou processo criminal iniciados anteriormente. Motivos que fundamentam a solicitação de interceptação telefônica - Artigos 2º e 4º da Lei No. 9.296/96Segundo observou o Tribunal, os pedidos de interceptação, bem como as decisões que os concederam, não expuseram quais eram os indícios razoáveis de autoria ou de participação dos membros da COANA e da ADECON nas infrações penais supostamente investigadas, os meios que seriam empregados para realizar a interceptação solicitada, nem, os fatos objeto da investigação, tampouco demonstraram que o meio empregado era o único viável para obter tal prova. Fundamentação da ordem de interceptação telefônica e prazo máximo da diligência - Artigo 5º da Lei No. 9.296/96Ficou constatado pelo Tribunal que a magistrada não expôs em sua decisão a análise dos requisitos legais nem os elementos que a motivaram a conceder a medida, nem a forma e o prazo em que se realizaria a diligência. Notificação do Ministério Público e transcrição das fitas - Artigo 6º da Lei No. 9.296/96– O Tribunal observou que as ordens de interceptação não foram notificadas ao Ministério Público, que só recebeu os autos do Pedido de Censura em 30 de maio de 2000, ou seja, mais de um ano depois que as ordens haviam sido emitidas e onze meses depois que as interceptações telefônicas haviam cessado. Conclusão da Corte quanto a Legalidade da ingerência: A Corte conclui que as interceptações e gravações das conversas telefônicas objeto deste caso não observaram os artigos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º e 8º da Lei No. 9.296/96 e, por isso, não estavam fundadas em lei. Conclusão da Corte quanto ingerência ou não na vida privada, honra, reputação, e divulgação das conversas telefônicas. Da análise do conjunto probatório e circunstâncias do caso o Tribunal considerou que as vítimas sofreram uma ingerência em suas vidas privadas, pois nenhum dos interlocutores consentiu que fossem conhecidas por terceiros. A Corte considera que, ao divulgar as conversas privadas que se encontravam sob segredo de justiça, sem respeitar os requisitos legais, o Estado violou os direitos à vida privada, à honra e à reputação, reconhecidos nos artigos 11.1 e 11.2 da Convenção Americana, conexo com a obrigação de respeito consagrada no artigo 1.1 do mesmo tratado.


DA VIOLAÇÃO AO ARTIGO 16 (LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO) EM RELAÇÃO COM O ARTIGO 1.1 (OBRIGAÇÃO DE RESPEITAR OS DIREITOS) DA CONVENÇÃO AMERICANA. O Tribunal considerou provado que o monitoramento das comunicações telefônicas das associações sem que fossem observados os requisitos da Lei, e sua posterior divulgação causaram temor, conflitos e afetações à imagem e à credibilidade das entidades e violou, em prejuízo das vítimas, o direito à liberdade de associação reconhecido no artigo 16 da Convenção Americana, em relação com o artigo 1.1 do referido tratado.


DA VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 8.1 (GARANTIAS JUDICIAIS) E 25.1 (PROTEÇÃO JUDICIAL) EM RELAÇÃO COM O ARTIGO 1.1 (OBRIGAÇÃO DE RESPEITAR OS DIREITOS) DA CONVENÇÃO AMERICANA. O Tribunal não vislumbrou elementos que demonstrem a existência de uma violação aos direitos consagrados nos artigos 8 e 25 da Convenção Americana no que concerne ao mandado de segurança e às ações civis examinadas, contudo, em relação aos processos e procedimentos penais e administrativos mencionados a Corte conclui que o Estado violou os direitos previstos nos artigos 8.1 e 25.1 em conexão com o artigo 1.1 da Convenção Americana.


Dispositivo da Sentença:

a) rechaçou as exceções preliminares apresentadas pelo Estrado Brasileiro; b) declarou que o Estado Brasileiro violou a vida privada e o direito à honra e à reputação, e à liberdade de associação de Arlei José Escher, Dalton Luciano de Vargas, Delfino José Becher, Pedro Alves Cabral e Celso Aghinoni, em decorrência da interceptação, gravação e divulgação das suas conversas telefônicas; c) declarou ainda que o Estado Brasileiro violou os direitos às garantias judiciais e à proteção judicial em prejuízo de Arlei José Escher, Dalton Luciano de Vargas, Delfino José Becher, Pedro Alves Cabral e Celso Aghinoni a respeito da ação penal seguida contra o ex-secretário de segurança, pela falta de investigação dos responsáveis pela primeira divulgação das conversas telefônicas e, pela falta de motivação da decisão em sede administrativa relativa à conduta da juíza que autorizou a interceptação telefônica; d) condenou o Estado Brasileiro a pagar a título de dano imaterial, a cada uma das vítimas (Arlei José Escher, Dalton Luciano de Vargas, Delfino José Becher, Pedro Alves Cabral e Celso Aghinoni), a importância correspondente à U$20,000.00 (vinte mil dólares estadunidense), dentro do prazo de 1 ano da notificação da sentença; e) condenou o Estado Brasileiro a publicar no prazo de 6 meses em Diário Oficial e outro jornal de ampla circulação nacional e outro de ampla circulação no Estado do Paraná partes que indica da sentença e, ainda, no prazo de 2 meses sua integra, em sítio web oficial da União Federal e do Estado do Paraná; f) condenou o Estado Brasileiro a investigar as violações declaradas na sentença; g) condenou o Estado Brasileiro a pagar a título de restituição de custas e gastos, no prazo de 1 ano contado da notificação, a importância de U$10,000.00 (dez mil dólares Estadunidense).


Leia a Sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos na íntegra:

Autores da síntese do estudo de caso


Como Citar:

AZEVEDO, Adriana Cristina Cury; PULETO, Alexandre Cury; XAVIER, Cristiane; SOUZA, Ezequiel Cruz de; MATOS, Gilson Ely Chaves de; BEMFICA, Melina Macedo; BARROS FILHO, Miguel Antonio Paes de. Caso Escher e outros vs. Brasil. In: Grupo de Pesquisa Direitos Humanos, Governança e Democracia. Ijuí: GP Mundus, 2020. Disponível em: https://www.gpmundus.com.br/post/caso-escher-e-outros-vs-brasil.

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